Opções de privacidade

A prescrição intercorrente pela ótica da nova Lei de Improbidade Administrativa.

Thais Cristina Guimarães Caldeira Bosco – 15 de mar. de 2022

A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021 alterou significativamente a Lei de Improbidade Administrativa – LIA (Lei n. 8.429/92), introduzindo importantes mudanças ao Direito Administrativo Sancionador. Dentre essas mudanças , a prescrição intercorrente nos casos de improbidade administrativa.

Vale dizer que a prescrição consiste na extinção da pretensão à prestação devida, o que significa dizer, em linhas gerais, que o requerente fica obstado de poder exigir de outrem o cumprimento de um dever jurídico. Segundo os termos do art. 189 do Código Civil de 2002, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Já a prescrição intercorrente é a perda do direito de exigir, pela ausência de ação durante determinado tempo no curso de um procedimento. Seu fundamento é a duração razoável do processo esculpido no art. 5º, inc. LXXVIII da Constituição Federal de 1988.

A nova LIA, além da ampliação do prazo prescricional de cinco para oito anos, incluiu a modalidade de prescrição intercorrente.

De acordo com a nova redação, será reconhecida a prescrição quando transcorrer mais de quatro anos entre os marcos interruptivos estabelecidos pelo legislador: a) ajuizamento da ação de improbidade administrativa; b) sentença condenatória; c) publicação de decisão ou acórdão do TJ ou TRF que confirme sentença condenatória ou que reforme sentença de improcedência do pedido; d) publicação de decisão ou acórdão do STJ que confirme acórdão condenatório ou que reforme acórdão de improcedência.

Dessa regra surge o questionamento: a prescrição intercorrente irá retroagir para extinguir processos iniciados antes da reforma promovida pela nova LIA?

Não há dúvidas de que a Lei 14.230/2021 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 e, com tais alterações, vieram em seu bojo inúmeros embates interpretativos em torno da nova Lei, especialmente entre advogados de defesa e o Ministério Público acerca da retroatividade das disposições mais benéficas aos réus.

Isto porque, enquanto os defensores entendem pela retroatividade, o posicionamento majoritário que vem se consolidando no órgão ministerial denota que a nova lei não deverá afetar os atos de improbidade ocorridos antes do início de sua vigência[1].

Tal dilema vem sendo enfrentado pelos Tribunais desde a edição da Lei. A exemplo disso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região[1], em julgado de 17/12/2021, extinguiu de ofício ação de improbidade administrativa proposta em 2008 por reconhecer a retroatividade e incidência no caso concreto da prescrição intercorrente. No entendimento do desembargador, “a edição da Lei 14.230/2021, alterando a Lei 8.429/1992, com introdução de normas mais benéficas ao réu imputado ímprobo, deve ser aplicada, ainda que de forma retroativa, às ações de improbidade administrativa em curso, mesmo que ajuizadas antes da vigência da nova lei, em decorrência e por imposição da extensão ao direito administrativo sancionador de princípios do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu”.

Neste mesmo sentido a Ação de Improbidade Administrativa nº 5003077-85.2012.4.04.7008, da 11ª Vara Justiça Federal de Curitiba/PR, julgada em 04/11/2021; Ação de Improbidade Administrativa nº 0001126-75.2015.8.26.0191, da 3ª Vara da Comarca de Ferraz de Vasconcelos/SP; julgado em 14/02/2021 e, também, Agravo de Instrumento nº 2146747-50.2021.8.26.0000, da 10ª Câmara de Direito Público, julgado em 16/12/2021.

Em vista deste cenário de novas vertentes da LIA e as recentes decisões dos diversos Tribunais, podemos vislumbrar que o tema ainda será objeto de divergências até que a jurisprudência se consolide acerca da retroatividade ou não da nova Lei com relação à prescrição intercorrente.

[1] NOTA TÉCNICA Nº 01/2021 — 5ª CCR, do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL; PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA; 5ª Câmara de Coordenação e Revisão — Combate à Corrupção; Comissão de Assessoramento Permanente em Leniência e Colaboração Premiada: Aplicação da Lei nº 8.429/1992, com as alterações da Lei nº 14.230/2021; Brasília, 11 de novembro de 2021.